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Artigo: Filmes Datados

Conforme prometido, cá está o artigo sobre filmes os quais a passagem do tempo afeta mais do que outros.

A inspiração para escrever este texto veio do meu amigo D.T.S. que achou absurdas certas cotações que dei a alguns clássicos (os quais eram inéditos para mim, e que adiante mostrarei porque isso foi importante) e então, me vi impelido a expor melhor meu ponto de vista sobre este assunto.

Dentre os gêneros que penso que perdem mais força com o passar dos anos, vejo as comédias e os filmes de terror como os ponteiros.

Obviamente trata-se de uma generalização e como tal possui casos que não a contemplam. Entretanto, vejo diferenças na forma das pessoas se conectarem com os diversos filmes que existem.

Creio que há mais elementos para os espectadores se identificarem em dramas e épicos do que em comédias e outros filmes que são voltados basicamente ao entretenimento.

Em qualquer época e lugar ver uma criança doente ou a dor de um romance perdido, sempre fará ligação direta com a emoção da sua plateia. Já o humor é algo muito mais volúvel. Variáveis como tempo, cultura, contextos locais, religião, influem para se achar algo cômico ou não.

Se hoje achamos engraçado um filme todo cheio de meandros e surpresas no roteiro como Se Beber, Não Case, ou a sátira caça-hipocrisia de Borat e Brüno, houve um tempo em que se fazer humor era uma coisa muito mais física como faziam O Gordo e o Magro e Os Três Patetas.

Desse tipo de humor mais ingênuo, restam apenas alguns Didis da vida, respirando por aparelhos. Já sei que vão me chamar de herege, mas talvez o que mais se pareça com essas comédias antigas sejam os filmes dos irmãos Farrelly (que não por acaso, estão produzindo uma nova versão para as estripulias de Moe, Larry e Curly).

Só que no âmbito atual, os pasteis na cara e os dedos nos olhos se transformaram no paradigma atual, em piadas explícitas sobre sexo, minorias (anões, negros, etc) e eventuamente, escatologias.

Claro que há outras formas de humor. A cara de bobo de Peter Sellers, as gags de 10 em 10s do ZAZ, os múltiplos personagens de Eddie Murphy e até (?) os autoflagelos de Johnny Knoxville em Jackass.

O que defendo é que a percepção do que é engraçado ou não é sempre algo muito particulrizado, diferentemente de situações dramáticas de apelo universal.

(e retratar essas coisas que tocam a todos, é algo que o cinema argentino faz muito bem e por isso faz muito mais sucesso que o nosso em âmbito internacional, que só é conhecido pelos bons filmes policiais relacionados à favela. Mas isso é assunto para outro artigo...)

Outro fator é que determinados temas foram tantas vezes copiados que os filmes que deram origem a eles, indubitavelmente perderam força com o tempo. Um grande exemplo disso são as comédias high school, como Grease e Clube dos Cafajestes (filmes que fui contestado por não dar notas altas no blog).

Aliás, não deve ser por acaso que a primeira comédia a constar na lista dos Melhores Filmes de Todos os Tempos do site IMDb (bíblia sobre filmes da internet), está apenas a 31ª colocação no ranking. É Forrest Gump – que convenhamos, nem chega a ser bem uma comédia clássica.

Por ser um site que abrange notas de internautas de diversas faixas etárias, suas cotações dão uma média interessante sobre cada filme citado. E por causas dessas diferenças de percepção que já citei, é que não me surpreende que as comédias tenham essa posição tão pouco honrosa.

Na contramão disso, no topo da lista vem os filmes com temática mais séria e épicos, filmes que mostram ter uma aceitação muito mais ampla pelo público, independente de tantos fatores.

Ou alguém acha que O Poderoso Chefão deixou minimamente de ser aquele soco no estômago que foi há 40 anos atrás, quando do seu lançamento?

Épicos da aventura como Star Wars, Indiana Jones e Senhor dos Aneis, afora serem absolutamente divertidos, também não tem em seu âmago doses industriais de emoção nos seus apaixonantes enredos?

Filmes que se preocupam em mostrar uma boa história, sem se preocupar especificamente com as cenas de ação, de efeitos ou humor, mostram ter um apelo muito mais generalizado.

Por isso, aconteceu de eu não dar cotação máxima para algumas obras do mestre Hitchcock, no festival que promovi há pouco. Eles continuam sendo grandes clássicos por terem grandes e bem contadas tramas – não obstante, certas sequências, especialmente no quesito ação, já mostrem estar superadas para os padrões bournianos atuais.

Com o terror, penso que o processo é semelhante. Há filmes deste gênero mais voltados à diversão do que propriamente aos sustos, que foram imitados à exaustão como a saga Evil Dead (outro ponto de discórdia nas cotações do nosso blog). Para quem for vê-los pela primeira vez, como era meu caso, é difícil achá-los tão especiais como devem ter sido para quem os assistiu na época em que foram lançados e considerados um sopro de originalidade.

Aliás, aí, também creio que exista outro fenômeno: a memória afetiva. Alguns filmes nos marcam tanto, que mesmo quando os assistimos novamente depois de um tempo, vemos que certos aspectos deles já ficaram defasados, mas ainda continuamos com a opinião anterior sobre eles.

Provavelmente isso se deve ao fato de que assistir um filme, não é apenas uma experiência isolada. Ela nos remete ao local em que o assistimos, às companhias (boas ou nem tanto), aos momentos da vida, enfim, tudo o que compõe as lembranças que nos fazem sermos o que somos.

Por isso, às vezes nem depende do filme ser tão bom para gostarmos mais ou menos dele. Outros fatores podem, sim, influir na opinião que tecemos originalmente sobre ele. E quando o revemos, a impressão pode ser diferente, mas não apaga o sentimento inicial.

Só que quem assiste a um filme pela primeira vez, obviamente não pode fazer isso. E uma coisa que eu gosto de fazer quando vejo um, é analisá-lo de uma maneira global, me preocupando se ele funciona como cinema e se me conta uma boa história – e isso independe da sua procedência ou data de produção.

Por isso, penso que a estranheza que causam certas notas que dou aqui no blog (só posto sobre filmes que nunca vi ou aqueles os quais vi há tanto tempo que nem me lembro mais como eram), ou que algumas pessoas mais novas demonstram em relação a filmes queridos há tanto tempo, tenha a ver com essas características que tornam alguns deles mais datados que outros.

Claro que, além disso, ainda há as diferenças pessoais de gosto. Afinal, preferências, todo mundo tem direito a ter as suas. Mas isso é tão evidente, que só dizer isso, seria simplório.

Entender um pouco do que faz existirem essas diferenças, isso sim, é que é desafiador.

Desta forma, espero ter esclarecido para os amigos aqui do blog sobre como funcionam nossos processos de avaliação, além de proporcionar um momento para pensarmos um pouco sobre o que nos faz gostar dos filmes que vemos.

E continuem comentando. Sem isso, eu não teria idéias para escrever textos como este...

Grande abraço a todos.

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