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Do que são feitos os grandes técnicos

Este texto vai ficar meio grande, mas nesse caso, acho que tenho algumas coisas que posso falar sobre este assunto.

Em um post anterior, eu citava que mais adiante escreveria sobre virtudes que eu vejo serem importantes para em treinador/ técnico. Independente do esporte, algumas qualidades devem ser inerentes a qualquer trabalho neste campo.

Para mim, de muitos que sempre gostei como Felipão, Phil Jackson, entre outros, sempre, achei o Bernardinho, o melhor técnico entre todos os esportes.
Um Midas que tudo o que tocava se tornava ouro. Pegou uma seleção feminina que nunca tinha ganho nada (perdia até para o Peru, nos anos 80) e ganhou duas medalhas olímpicas. Só não foi melhor porque foi contemporâneo da maior equipe de voleibol da história - Cuba, tricampeã olímpica e bi-mundial.

Depois, pegou uma masculina envelhecida e vinda de vários fracassos consecutivos. Renovou a equipe e quase instantâneamente começou a ganhar tudo.
Se tivesse ganho o título em Pequim, poderia pleitear merecidamente a honra de ser chamada de Melhor Seleção Masculina de Todos os Tempos.

Aí é que está, não ganhou Pequim, por causa do Bernardinho. Explico mais adiante.

Quando se fala em treinador (treinos) ou técnico (jogo), na verdade, é uma diferenciação boba. A função diretiva de uma equipe envolve tomadas de ações e decisões nos dois âmbitos. Não dá pra separar uma coisa da outra.

Então, o cara para ser realmente bom nisso, tem que dominar muitar qualidades técnicas, sociais e pessoais. Por isso são tão valorizados - principalmente no futebol.

A vitória no esporte (ou em qualquer atividade da vida) é uma soma de diversos fatores, que às vezes se você tira um, vai tudo por água abaixo. Por isso mesmo não se pode dizer que isso, ou aquilo é mais importante (tipo, o que vale mais, um time ótimo e técnico mediano ou time razoável e um grande técnico... uma bobagem).

O que vale é o seguinte: quanto mais qualidades o técnico dominar, mais chance ele tem de o trabalho ser bem feito. Isso é óbvio. O que não é, é que mesmo com multiplas qualidades, nada garante que vá ser vitorioso.

Mas vamos lá, cito algumas virtudes que vejo serem pertinentes a estes profissionais.

* Conhecer a fundo o seu esporte, os fundamentos técnicos, formas diferentes de treinamento e táticas de jogo;

* Manter os atletas motivados e focados ao máximo, colocando metas sucessivas a serem cumpridas, jamais, jamais se acomodando;

* Ganhar a confiança dos atletas, fazer com que eles acreditem no que fala - para isso acontecer ele tem que saber o que fala...

* Feeling de sentir o momento do atleta - saber se é hora de dar força ("muito bem, isso aí!"), hora de cobrar com carinho ("vamos lá, tu faz muito melhor que isso!") ou até de dar uma bronca ("p*&%@!!!!! Vai nessa bola, te mexe!!!!!") - para fazer com que ele tenha sempre respaldo e produza sempre o seu melhor;

* Ter leitura de jogo, saber mudar uma partida com ela andando - mas não adianta qualquer loucura, isto deve ter sido treinado antes, senão, não funciona;

* Estudar os adversários a fundo - às vezes um detalhe é a diferença entre ser campeão ou não;

* Em esportes coletivos, valorizar a todos do grupo, sem exceção - ninguém ganha sozinho e nunca se sabe se amanhã o reserva de hoje não vai ganhar um título para ti, amanhã (Gabiru, meu ídolo!);

*Quando houver um problema comportamental, saber o limite entre o suportável e o que prejudica o trabalho todo. Quer dizer, saber equilibrar talento/ disciplina, pois não se pode abrir mão nem de um, nem do outro.

Este último, sem dúvida é o mais difícil de todos.
Porque se trabalha com seres humanos, cada um com uma mentalidade, personalidade e criação diferentes. Não há ciência exata aqui. Não há receita que se aplique a qualquer situação.

Foi aqui que o Bernadinho perdeu a última Olimpíada. Abre parentêse.

Ele optou pela disciplina e cortou o Ricardinho esperando que ele pedisse desculpas para recebê-lo de novo e assim reiterar sua liderança.
Nunca mais teve o capitão de volta.

Assumiu um risco enorme de perder um jogador único, em prol de suas convicções. E acabou perdendo mesmo.

Falta de feeling. Ricardinho é considerado um dos 3 maiores levantadores da história. Excepcional tecnicamente, revolucionou a posição de levantador, jogando com velocidade absurda e sempre jogando a bola no jogador mais improvável, elevando o risco do jogo a um grau extremo. E ele era tão bom, que só ele conseguia fazer isto.

Um jogo tão veloz e imprevisível, que era quase imarcável. Só assim o time baixo do Brasil poderia fazer frente aos gigantes das outras equipes. Não só fez, como passou 6 anos (2001-2007) ganhando tudo (6 Ligas Mundiais, 2 Mundiais e 1 Olimpíada), muito, graças a essa revolução que o Ricardinho trouxe.

Por maiores que fossem as reclamações contra ele, nunca deveria ter sido cortado sumariamente como foi às vésperas do Pan. No máximo, ir para o banco em algumas ocasiões, para mexer com seus brios e demonstrar que ele deveria melhorar em aspectos comportamentais. Jamais, um corte dos 12.

Isso faltando um ano para a Olimpíada, foi crucial. Até ganhamos o Pan, mas depois ficou mais fácil marcar o time, que ficou em 3º na Liga Mundial e Vice-Olímpico.

Ou seja, em determinado momento o técnico acreditou que uma postura ultrarrígida, seria mais importante que um talento absolutamente desigual, como Ricardinho. Errou, e feio. Fecha parêntese.

Cheguei onde eu queria. Um cara que estou cada vez mais fã é o Mano Menezes.

É um técnico que acredito, domina muitos daqueles conceitos que falei acima, especialmente o último, que acho que faltou ao Bernardinho no caso do Ricardo.
Quando o Ronaldo fez aquela chinelagem de chegar às 5 da manhã na concentração, o que o Mano fez? Antecipou a estreia dele. Botou o gordo no compromisso, tipo "bom, tu aprontou, agora vai ter que compensar". Não puniu, deu a chance de redenção ao talento.

O resultado é bem conhecido...
Ele acredita no talento. Além disso, esse homem tem outra qualidade, essa meio etérea, mas que parece acompanhá-lo sempre.

Mano Menezes tem estrela. E isso faz muita diferença.

Como diz o David Coimbra, não vem me dizer que a Batalha dos Aflitos foi ganha com competência. Aquelas são circunstâncias irreproduzíveis em treinamento, algo que nunca mais vai acontecer.
Foi sorte, muita, muita, muita sorte.
Não é colocar defeito. Pelo contrário.

Isso é ter estrela. Coisa de gente vencedora.

Ele deve fazer coisas muito boas para merecer isto e só estou citando o caso mais emblemático, mas essa estrela o acompanha durante toda carreira. Podem observar o nº de coisas improváveis que acontecem a favor dele (ganhar um Gauchão do Inter que seria campeão do mundo, tirar na mesma Libertadores o São Paulo do Muricy e o Santos do Luxemburgo...).

Com isso, coloco aqui uma "profecia", algo que acredito que acontecerá.

A Seleção será campeã da Copa de 2014 no Brasil e Mano Menezes será o técnico.

Está escrito. Podem me lembrar disso daqui a 5 anos.

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