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Artigo: Joana d'Arc

Embora eu já tenha escrito alguns textos grandes aqui, acho que em forma de artigo é a primeira vez. Ficou grandão, mas vamos lá.

Vendo o grande filme A Paixão de Joana d'Arc de 1928, me interessei a entender um pouco mais sobre esse personagem histórico do qual eu sabia apenas que foi queimada como herege por dizer que ouvia vozes de espíritos.

Para início de conversa, eu não estava tão cego. Alguma coisa eu já sabia sobre a Guerra dos Cem Anos (a leitura da saga Os Reis Malditos – obrigado maninha – me deu uma força), a qual ela foi personagem fundamental.

Foi um longuíssimo confronto (1337-1453) que se deu primordialmente por problemas de sucessão no reino da França.

Resumindo os motivos dessa luta, é mais ou menos assim: Felipe, o Belo, rei da França teve três filhos e uma filha. Ela, Isabel, se casou com o futuro rei da Inglaterra e teve quatro filhos.

Quando Felipe, o Belo morreu, seus três filhos se tornaram uma a um, reis da França, mas todos morreram sem deixar filhos homens (havia uma lei na época que impedia as mulheres de governarem o país). Aí, a França passou a ser reinada por outro braço da família, os primos Valois.

Só que o primogênito de Isabel, Eduardo III, agora rei da Inglaterra, se deu conta que era o neto de Felipe, o Belo, ou seja, o herdeiro legítimo do avô. Assim, resolveu requerer o reino da França em um processo unificatório inédito.

O resto é fácil de entender. Guerra, claro. E que se estendeu por 116 anos, na verdade e não Cem, como o nome indica.

Este é o início da coisa, mas para captar um pouco mais sobre Joana, que era meu interesse principal, comecei pelo livro A História de Joana d'Arc - Ditada Por Ela Mesma de Ermance Dufaux.

Depois também adicionei a ele, a leitura de alguns trechos de Joana d'Arc, Médium do estudioso espírita León Denis. Ele ressalta essa relevância histórica de Joana para o universo religioso por ter se tratado de criatura de mediunidade tão elevada e que por isso conseguiu um feito tão grandioso quanto improvável. Afinal, com a força sobrenatural que a impelia, deu início à virada francesa na Guerra dos Cem Anos.

Para ilustrar a terrível situação francesa desse período vou citar o texto que dá início à outra fonte que resolvi consultar, o filme Joana d’Arc de Luc Besson:

“1420.

Henrique V, rei da Inglaterra e Carlos VI, rei da França, assinam o Tratado de Troyes.

Este tratado acorda que a França pertencerá à Inglaterra depois da morte dos dois reis.
Mas os dois reis morrem poucos meses depois.

Carlos VII, Delfim de França não tem intenção de entregar seu reino a uma criança, nem ao seu tutor, o duque de Bedford.


Uma sangrenta guerra começa e a Inglaterra, junto com os borguinhões, invadem a França.”


(depois disso, vem uma cena animada onde mostra a invasão inglesa ocupando pelo norte, quase metade da França, incluindo aí, Paris)

“La Loire, rio difícil e fronteira natural, temporariamente segura os invasores.
Carlos VII, o Delfim, se refugia em Chinon.

Ele gostaria de ir à Reims para se sagrar oficialmente Rei da França.
Mas Reims está nas mãos dos ingleses.

A França passa pelo período mais negro de sua história. Só uma coisa pode salvá-la...

Um milagre.”


Então, começando pelo livro psicografado, pude entender um pouco melhor a vida da mártir francesa.

Mais que um livro, ele é um documento de defesa póstumo, que denuncia todas as diversas irregularidades e interesses que permearam o processo conduzido pelo Bispo de Beauvais, Pierre Cauchon e que culminou na morte de Jehanne d'Arc.

Dufaux, 14 anos na época que psicografou este livro, ficou conhecida por ter sido uma das médiuns que auxiliou Kardec na codificação das Obras Básicas. Não vou aqui tentar explicar por A+B porque posso acreditar em informações de livros psicografados. Discussão desnecessária para o momento, então tenho a intenção de fazer ou ser interpretado como proselitista.

Quem entende a psicografia como sendo um fenômeno que pode ser verdadeiro, leia a resenha. Quem não entende assim, passe adiante.

Nele, a própria Joana conta sua história de vida, desde a infância comum em Domremy, seus primeiros contatos com as "vozes", a liderança das tropas francesas por uma menina de 17 anos, até sua morte na fogueira em 1431.

O que difere este livro de outros relatos referentes a esse episódio histórico é justamente, o de ser feito pela própria vítima, o que nos traz diversas informações obscuras e que ajudam a ter um melhor entendimento de tudo o que o cercou em aspectos religiosos, políticos, econômicos, etc.

A descrição do julgamento tem praticamente todos os diálogos entre os inquisidores e ela, o que torna a leitura muito completa (em certo trecho, ela cita absolutamente todas as pessoas que fizeram parte do processo e só isso, toma quase duas páginas!).

Entretanto, isso faz também com que a leitura seja um tanto cansativa, pois ela foi massacrada durante 4 meses neste processo, tendo que responder inúmeras vezes às mesmas perguntas e o livro mostra isso com detalhes, o que nos dá um pouco ideia do que ela passou, nos "massacrando" também.

O livro igualmente não mistifica a figura de Joana, pois mostra também seus pontos falhos e como ela, em desobediência aos seus espíritos-guias, cometeu erros estratégicos na luta contra os ingleses; o medo que ela sentiu em ser queimada viva, que a fez abjurar (negar seus testemunhos anteriores), entre outras situações.

Leitura densa, mas imprescindível para quem quiser melhor entender esse evento tão conhecido da história da humanidade.

Mas o interessante é também comparar as duas leituras, pois León Denis em ponto-chave da saga de Joana, interpreta assim como Luc Besson, que depois da sagração em Reims, Joana quis continuar lutando para reconquistar toda a França.

E no livro de Ermance, Joana afirma exatamente o contrário. Ela diz que depois da sagração, ela queria voltar para a casa dos pais, pois as vozes já a haviam dito que sua missão estava cumprida.

Ela não teria conseguido a permissão de Carlos VII para isso, pois ele acreditava que a partida de Joana desmobilizaria suas tropas, embora ele próprio não quisesse mais guerrear e pretendesse alcançar uma saída diplomática para a querela.

Essas duas visões totalmente contraditórias nos levam a uma encruzilhada: se eu acredito na psicografia, tenho que admitir que Denis, o grande pesquisador, falhou em sua interpretação dos fatos – não obstante, ele embase muito bem essa sua opinião no livro.

Se eu ponho em questão a veracidade da psicografia da adolescente Ermance, tenho que pensar que ela inventou tudo, ou foi excepcionalmente feliz em sua pesquisa histórica (já que é fato que ela própria e mais ninguém escreveu o texto), o que me parece improvável e que seria uma habilidade ainda mais fantástica que sua capacidade mediúnica.

Fico, então, com a primeira hipótese. Embora homem de méritos inquestionáveis no âmbito religioso, penso que essa falha de interpretação histórica, não faça de León Denis menos importante.

E como eu já disse, o filme de Besson segue esta mesma linha de raciocínio. Mas sobre ele, temos outras coisas a serem comentadas.

Épico produzido pelos EUA, com atores norte-americanos, tem uma primeira metade grandiosa na condução do diretor francês. Da infância de Joana, até a sagração em Reims, a história é contada de maneira magnífica e emocionante ao vermos uma menina de 18 anos comandando, com a anuência de suas vozes inspiradoras, todo o exército da França, vencendo batalha após batalha.

Só que o filme resolveu tomar um rumo muito autoral, de interpretação das emoções de Joana, utilizando-se de um personagem (interpretado por Dustin Hoffman) que seria a consciência conflituosa de Joana.

O filme nunca mostra as vozes, ou os espíritos (sequer os cita) dos santos que Joana dizia ver e ouvir – o que me parece bastante parcial, tentando dar a entender que A Donzela tinha dúvidas dessas presenças, algo que me parece bastante absurdo.

E esta “humanização” de Joana é o ponto fraco do filme, pois põe em cheque exatamente toda a força da personagem, que era sua fé inabalável.

Em relação a adaptações cinematográficas, dizem que a melhor versão da história de Joana d’Arc no cinema é a de Otto Preminger, com Jean Seberg de 1957. Fica a dica.

No meu caso, para o que eu pretendia entender sobre a figura mítica, estou satisfeito...

Curiosidades:
  • León Denis também afirma que Joana d’Arc, seria a reencarnação de Judas Iscariotes. Este espírito teria escolhido reencarnar na condição de uma mulher e quis morrer queimado vivo para expurgar a culpa de ter traído Jesus;

  • O baralho, esse que todo mundo joga, foi criado na época de Carlos VII e algumas cartas homenageiam personalidades do seu tempo, entre eles Joana d’Arc.
    A dama de espadas representa Atena, a deusa da Guerra e da Sabedoria, mas o punhal que ela carrega, é uma referência a Joana. Se ficou curioso para saber quem são os outros personagens, clique aqui.

  • Aqui, perto da minha casa tem um estabelecimento comercial chamado “Joana d’Arc – Agropecuária e Pet Shop”. Só pode ser o nome da dona da loja, senão, que diabos tem a ver Joana d’Arc com agropecuária e pet shops???

A História de Joana d'Arc - Ditada Por Ela Mesma
Ermance Dufaux (psicógrafa). RJ: Ed CELD, 1997. 300 pgs

Nota: 7,5

Joana d'Arc, Médium

Leon Denis. RJ: FEB, 1980. 350 pgs.




Joana d'Arc de Luc Besson

Joan of Arc
EUA, 1999 - 155 min
Drama/Épico/Guerra
Direção: Luc Besson
Elenco: Milla Jovovich, Dustin Hoffman, Faye Dunaway, John Malkovich


Nota: 7,5

Cotação no IMDb: 6.3 (24.890 votos)

Trailer sem legendas


Comentários

Renata disse…
Maravilhoso! Mas...hei! cadê a nota do "Joana d'Arc, Médium", Leon Denis?

E quando tu vai me emprestar "A História de Joana d'Arc? Fiquei curiosa!
Rafael Barbosa disse…
Eu não dei nota, pq, como disse no texto, eu só li trechos dele. E os dois livros são da D. Maria Helena mas eu pego pra te emprestar qdo voltar de Encruzilhada...
Bjão

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